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22 dezembro 2007

O Legado de Bali





Foram duas semanas árduas, nas quais a tentativa de acompanhar a maior e mais complexa conferência do clima já realizada produziu muita notícia e nenhuma pausa para reflexão. Agora que a COP-13 acabou e o Mapa do Caminho finalmente foi traçado (a lápis, é bem verdade), pipocam aqui e ali visões diferentes sobre o que, de fato, Bali deixa para o mundo. Acordo histórico ou fiasco? Um pequeno grupo de pessoas mudou o destino do planeta, no desejo expresso por Al Gore na última quinta-feira, ou o futuro dos nossos filhos foi queimado pelas gentilezas diplomáticas e a estrutura de veto da ONU?

Certamente o Mapa do Caminho é um texto aguado, sem menção a objetivos de estabilização de gás carbônico e que ignora a ciência. Notem que a já ilustre nota de rodapé que remete ao trabalho do IPCC foi uma vitória, conseguida a duríssimas penas na madrugada de sábado pelo grupo co-chefiado pelo embaixador brasileiro Everton Vargas. Se fosse feita a vontade dos americanos, nem isso haveria. Os EUA literalmente redigiram os parágrafos mais críticos do texto, o 1b1 e 1b2 - que falam das ações a serem adotadas pelos países desenvolvidos e pelos países em desenvolvimento -, incluindo frases literalmente copiadas e coladas do discurso de "conversão" de George W. Bush em junho, como "levando em consideração as circunstâncias nacionais" (ou seja, fazemos o que quisermos e quando pudermos). A imensa pressão internacional que se exerceu sobre o governo dos EUA, com ameaças explícitas da UE de boicote ao convescote inútil das "Grandes Economias" em Honolulu, denúncia de Al Gore, "traição" da Austrália (que se juntou àquele pequeno lugar chamado resto do mundo e ratificou Kyoto) e esporro de Ban Ki-moon, abalou tanto Washington quanto o suposto terremoto da semana retrasada em Bali. Paula Dobriansky e sua gangue, afirmou um delegado, estavam "com instruções duríssimas" do QG republicano e sem a menor margem de negociação. A única opinião pública que sempre interessou a qualquer governante americano, de qualquer partido, é a doméstica. Só que essa também está contra Bush - o empresariado inclusive.

Cedendo de última hora a compromissos "mensuráveis, reportáveis e verificáveis" com "comparabilidade" no Mapa do Caminho seguindo a melhor receita diplomática do bode na sala (arme um retrocesso, ceda meio milímetro e dê ao público a aparência de que fez alguma coisa), Bush evitou o fiasco doméstico que seria ser responsabilizado sozinho pelo fracasso de Bali, salvou sua feira de negócios no Havaí e ainda empurrou o mico para os democratas. Jogada de mestre.

Nada disso quer dizer, no entanto, que o mapa de Bali seja um caminho para lugar nenhum. É verdade que a estrutura de veto da ONU tende a diluir compromissos, mas ela precisa continuar a ser o fórum para atacar o mais global dos problemas. Até agora, a única opção às Nações Unidas que apareceu contra o aquecimento global foi justamente colocada na mesa por Bush, de quem nenhum de nós compraria uma SUV usada. Outra coisa que os críticos da ONU estão minimizando é que o efeito estufa saiu do gueto ambiental e passou a ser um tema que decide eleições. Portanto, o nível de pressão para que o sistema de veto produza resultados é sem precedentes, e o fato de Bali não ter sido um fiasco total (como foram as COPs de Haia, em 2000, e Nairóbi, em 2006) é prova disso.

O Mapa do Caminho inclui os EUA, impede que nações como o Japão e o Canadá "pulem" de trilho e define pela primeira vez na história a participação GLOBAL no ataque ao aquecimento. A palavra "global" é a senha que os democratas estavam esperando no mandato de negociação para tornar o futuro protocolo "ratificável" pelo Senado. Os países do G77, grandes estrelas da COP-13, romperam o jogo do empurra e deram um passo à frente, anulando a lógica americana do "você primeiro". Em outro golpe de mestre, disseram: "Nós primeiro, mas nos seus termos". Nada disso pode ser desprezado. O texto final não fecha a possibilidade de metas estritas de meio-termo (de resto, acordadas por 37 nações que ainda participam do Protocolo de Kyoto) de 25% a 40% de corte de CO2 até 2020 e do pico de emissões em 10 a 15 anos. Há espaço para negociá-las - depois da eleição americana, claro - já que elas estão contidas nos cenários do IPCC aos quais a infame nota de rodapé faz menção. Portanto, o Mapa do Caminho leva ao futuro.

Bali foi um avanço e um momento histórico. E suas últimas 24 horas foram de arrepiar. Atire o primeiro bloco de carvão quem não se impressionou com o discurso totalmente fora de tom de Ban Ki-moon, chamando os diplomatas de "traidores do planeta", e quem não sentiu uma ponta de esperança ao ver Ricardo Lagos nos corredores fofocando com ambientalistas (!) e armando a volta do secretário-geral para a Indonésia para enquadrar os negociadores.

É um privilégio para qualquer jornalista cobrir um evento desses. Na melhor das hipóteses, meus filhos saberão que eu estive presente ao evento que começou a mudar a economia global e salvou a Terra. Na pior, ficará na lembrança como o dia em que um apagado diplomata coreano perdeu a compostura. Ambas são boas histórias para contar.

Claudio Angelo, 32, é editor de Ciência da Folha.

Jornalista formado pela Universidade de São Paulo,

cobre assuntos de ciência e ambiente desde 1998.

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